ELEVADOR.
No Princípio houve o susto. Depois veio a dúvida acompanhada
do medo. Nessa hora a dona claustrofobia soltou seus soldados sanguíneos desembestados pelas veias jecais, na querência de disparar o coração e preparar os músculos pra a iminente fuga (no caso, impraticável, mas vai explicar isso pros instintos evolutivos...)
Primeiro pensamento:
"-Não, a energia não acabou comigo no elevador". Insiste nisso por uns 30 segundos. Constata, então, que o ar começava a faltar (o primeiro e mais forte sintoma da fobia), senta-se na cadeirinha de ascensorista (estava só no elevador) na tentativa de diminuir a altura manométrica de bombeamento do sangue para o cérebro, evitar possível perda de consciência e manter a escassa capacidade cognitiva intacta (o anjinho da engenharia falando no ouvido). Apalpa botões até descobrir o alarme, mas Murphy se reviraria no túmulo se o botão realmente funcionasse, seria anti-natural!! Não, o alarme não tem nenhuma fonte de energia extra, logo não funciona em situação de falta de luz (curiosamente, a responsável pela maioria das paradas de elevador.)
A segunda onda de pânico veio sem avisar, todos os pensamentos pessimistas recomeçaram, dessa vez mais fortes, mas o único sintoma notado foi o coração disparando num ritmo incessante. Após os 5 primeiros minutos de uns gritos de ajuda (másculos, diga-se, nada de histeria), a primeira resposta de um ser vivente conteve a crise que se apossava d'O Claustrófobo. Palavras como "está vindo...manutenção...chave especial..." fizeram o desejável efeito placebo.
Mas o Dotô Murphy em júbilo se encontrava, onde quer que estivesse, uma vez que o jeca, na véspera de outra leva de pânico, apalpa o bolso em busca daquele aparelho que usa para verificar as ligações não lidas(celular?), constata que o mesmo não se encontra ali, impedindo qualquer contato decente com o meio externo.
Aos 15 minutos de detenção e descobre a função luminosa do relógio de pulso, descobre que não está cego. Reanimado com a fonte de luz, resolve usá-la para encontrar um ponto de apoio para empurrar a porta interna e, ao conseguir, constata-se defronte a um paredão, mas há uma fresta para o andar de baixo, que poderia ser usada, desde que ele consiga abrir porta externa, o que naturalmente não foi possível.
Passos e conversas são audíveis agora, com a porta interna aberta:
"Eita hein!", diz o senhor para um colega, "dessa vez foram 3 transformadores queimados na rua, acho que em menos de 5 horas a CEMIG não conserta isso). "
Decide então cantarolar sozinho e evitar ouvir qualquer outra conversa. Pessoas passam e dão batidinhas no pedaço visível da porta externa, ele responde e pede notícias...nada da manutenção. Passa a brincar com o cronômetro, tentando acertar com precisão de 1 em 1 segundo. Não conseguiu acertar no 1seg exato, mas obteve em num impressionante 1seg e 3 centésimos por duas vezes. Repete o processo para minutos, contanto 60segundos mentais e apertando o botão do relógio, nota que tem boa noção de tempo, acerta marcas em torno de 58s, 62s...
Mais passos, barulho de ferramentas e vozes, agora alteadas: Porteiro: "-Porra meu, 40minutos pra chegarem aqui? vocês já estavam no prédio, que merda foi essa?" O rapaz responde que passou por ali e deu uma batidinha na porta e que ninguém respondeu...por isso passou para os outros andares onde provavelmente havia pessoas a serem resgatadas.
Esvai-se de súbito a calma matuta e, de dentro do elevador, antes mesmo de esperar a porta se abrir:
"-Aaah, quer dizer que se houvesse alguém inconsciente e preso no elevador vocês mandariam chamar um médium pra baixar a resposta? E só depois de constatar que havia mesmo um espírito preso, ce ia resolver abrir a porta? Tem mais, trocentas pessoas bateram nessa porta e eu respondi trocentase duas vezes, só parei quando já tava rouco depois de meia hora gritando! Putaqueopariu!... " e aproveitou para relembrar anos de palavras de baixo calão acumuladas e há muito sem uso que aprendera em sua adolescência, além das mais recentes e variadas, cujo ex-chefe lhe legara.
Após ameaças de processo do capiau irado, pedidos de desculpa aceitos, o jeca (de volta à inabalável calma matuta) volta para seu andar, de escada, senta-se em sua mesa e tenta trabalhar, dá aquela olhada psicológica pra claustrofobia:
-Uai!!Pensando bem, hoje cê perdeu, preibóia!
G. Borges