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No dia 19 de maio de 1952, um matuto mór nomeado Jõao Guimarães Rosa (ou sêo Jõao Rosa, na fala de Manuelzão) iniciava uma jornada que duraria dez dias atravessando o sertão mineiro, na entrega de uma boiada por um percurso muito bem vivido pelos capiaus que guiavam o comboio. Destes, re-cito o mestre Manuelzão, sêo Zito e Sebastião de Morais, senhores do oficio da lida tropeira.
A inteligente pra-frenteza do sêo João residiu (na minha humilde visão) no fato de atentar para uma sabedoria sem fim, e raramente observada pelos 'da cidade'. Ele acompanhou uma entrega de boiada por dez dias, atravessando o gerais. Deixou-se mesclar ao mundo sertanejo, aos modos matutais. Ele aprendeu as palavras que não se escreviam - com aqueles que não sabiam ler.
Me toma, sempre que me lembro das minhas origens, um orgulho infantil por saber-me vivido num lugar por onde passou tã grandiosa TRAVESSIA, e por ter visto com meus próprios olhos um sêo Manuel Nardi parado na porta da igreja Matriz de Três Marias, esperando seu ônibus para Andrequicé. E na sequência desse orgulho, me toma o remorso. Nunca anotei nenhum de seus causos, e quando naquela casa humilde, não me preocupei em perguntar onde o seu Guima se sentou...etc. Essa é minha mea culpa, meu pecado capiau. Um fato: eu era só uma criança fascinada com um senhor barbudo, que perambulava humilde e solenemente por uma cidade que não atentava para a pedra histórica que abrigava.
Mas sêo Rosa não foi bobo nem nada, anotava tudo em seu caderninho, ouvia atento os causos e as piadas dos matutos, e não lhes desprezava os modos e superstições. Nonada!(perdão, mas tinha que usar). Os registros desses dez dias de peregrinação, se embolaram de tal maneira a virar o que a gente hoje lê com reverência, o Grande Sertão: Veredas, e a novela da qual faz parte Manuelzão. Uma constatação: O único livro brasileiro entre as 100 maiores obras literária de todos os tempos foi escrito numa terra de veredas que eu vi e também atravessei (mesmo que em parte)!!
É disso que falo quando apelo para a matutice: Das coisas que não se dizem nos livros da escola. Dos livros feitos com olhos e bocas, das leis que ninguém registrou, e que regem esse mundo de forma tão misteriosa. É o mundo dos Gerais, do vilarejo de Canoeiros, do centenário Andrequicé, do Lassance, do Morro da Garça e tantos outros. O que eu queria mesmo, era que a imagem do matuto de cócoras, mascando seu capim, ou fumando seu 'paieiro' num fim de tarde, fosse respeitada, sem ironia ou gracejos ou (o pior) pena. Visão para a qual, infelizmente contribuiu de forma genial o Mestre Monteiro Lobato, ainda que de forma involuntária, com seu jeca tatu desprovido de decisão e tino.
Que a sapiência matutal sobreviva aos tempos de neons coloridos, aviões e gente correndo dia e noite entre cubos de pedra.
G. Borges
para saber mais sobre Manuelzão, dê aquela bisolhada AQUI
Um comentário:
Que droga, agora me deu vontade de ler "Grande Sertão: Veredas" de novo. Maldito vestibular, arre.
(acabou de dar coisa parecida, só que com Harry Potter. Uma amiga postou um trecho de "O Pequeno Príncipe", me lembrei de Rowling e agora estou me odiando)
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